Para acertar na segurança energética, é necessária a previsão segura do comportamento dos recursos como sol, vento e água, sua combinação, análise de séries históricas, medições em tempo real e complementaridade entre as diversas modalidades
Quando falamos sobre o setor elétrico, podemos afirmar que vivemos hoje o que se planejou há décadas no que diz respeito à geração, transmissão e distribuição. Então, se em 2021, quase 21 anos depois do racionamento de energia, nós estamos nas mãos das usinas térmicas movidas a óleo, gás natural e até a carvão, é hora de – literalmente – abrir a janela, deixar o sol entrar e tirar o mofo das ideias.
Custa crer que autoridades que planejam a segurança energética do Brasil entendam que o investimento no combustível fóssil seja o que de melhor cabe a um país que dispõe de um parque hidrelétrico das dimensões do nosso, com sol e vento de fazer inveja aos quatro cantos do planeta. Então nós nos perguntamos: que futuro podemos esperar com uma política de investimentos que não sai do fóssil e ainda põe a segurança energética nas mãos de um santo que regula as chuvas?
Verdade seja dita: sem ocupar o pódio dos incentivos às energias renováveis, o Brasil é o 16º país no mundo em capacidade instalada na geração solar, com apenas 7.2 GW, e desde 2012 já gerou 219 mil empregos. Segundo dados divulgados pela Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), são R$ 36,5 bilhões em investimentos, mais de 1,1 milhão de toneladas de gás carbônico que deixaram de ser emitidos na atmosfera e pelo menos R$ 10,8 bilhões de tributos fortalecendo os cofres públicos. Agora, imagine onde estaríamos se o país investisse em energia sustentável de forma sistemática… Não se pode ignorar a vocação brasileira para a geração sustentável.
Estamos diante de muitas possibilidades: a adoção de novas tecnologias para habitação popular com casas movidas a energia fotovoltaica, solarização de edifícios públicos e estabelecimento de metas para implantar a geração solar em áreas remotas, rurais, plantas industriais e afins. Para avançarmos nessa agenda, temos que contar com investimentos em pesquisa e desenvolvimento para romper com preconceitos em relação às fontes renováveis. Pesquisa recente mostra que o brasileiro quer isso. Pelo menos 85% apoiam mais investimentos públicos em energias renováveis, mas temos aí uma luta árdua.
Há duas semanas, o texto-base da Medida Provisória (MP) 998 passou na Câmara dos Deputados, permitindo a retomada da obra da usina nuclear de Angra 3 e, de quebra, a transferência de 30% dos recursos de pesquisa e desenvolvimento (P&D) de programas de eficiência energética para a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) de 2021 a 2025. A CDE é um fundo setorial que ajuda a pagar o custo da geração nos sistemas isolados do Norte do País e da tarifa social de energia do Programa Luz Para Todos. Hoje há uma conta de R$ 3,4 bilhões não utilizados em P&D que sobe R$ 500 milhões por ano. Assim, se a MP passar no Senado, que retoma a votação em fevereiro, serão R$ 4 bilhões por ano que a energia limpa vai perder para a CDE.
Se por um lado a MP tira o incentivo da energia limpa, ninguém mexe nos subsídios da energia “suja”. O Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) calcula que os subsídios e incentivos fiscais para produtores e consumidores de derivados de petróleo, carvão mineral e gás natural em 2019 atingiram R$ 99,4 bilhões – isso representa mais de três anos de Bolsa Família.
Para acertar na segurança energética, precisamos de previsão segura do comportamento dos recursos como sol, vento e água, sua combinação, análise de séries históricas, medições em tempo real e complementaridade entre as diversas modalidades. Precisamos hibridizar todas as fontes renováveis para resolver a intermitência. Consumidores, distribuidores, transmissores, geradores, operadores e governo só têm a ganhar com a otimização dos recursos materiais e naturais. Não tem milagre. Só se faz progresso com ciência.
Luiz Piauhylino Filho é advogado especialista em Legislação Internacional e sócio-diretor da Sunlution